Blocos de Notas

ideias, relatos e reflexões

Há um bom tempo, acompanho o 'movimento' minimalista através de blogs e de livros. Tenho um interesse especial pelo tema porque, como portadora de TDAH, a bagunça que um ambiente saturado por objetos tende a assumir é um veneno para meu raciocínio e bem-estar. E por ser estar ciente deste gatilho a esta altura da vida, nunca tive problemas em 'jogar coisas fora, 'fazer faxina nas coisas' – ao contrário: se eu não tomar cuidado, fizer de forma impulsiva, termino por jogar fora coisas que não deveria!

Bom, fato é que o 'decluttering' me faz muito bem! Sinto-me leve, 'limpa', como se tivesse acabado de sair de um banho demorado. Porém, há uns dois ou três anos, assisti a um vídeo de Thaís Godinho no Youtube (deixei de segui-la.. não sei porquê!) em que ela alertava sobre os perigos do processo de desapego da filosofia minimalista. Ela falou algo deste tipo: “às vezes, não podemos saber de imediato quais objetos exercem uma função psicológica importante em nossas vidas naquele momento” (tenho certeza de que foi algo bem parecido com isso!). Até lembrei de uma citação, dessas de redes sociais, que também fala algo desse tipo, mas, relacionado com nossos defeitos (!): “nunca se sabe qual deles é responsável pela sustentação de nosso prédio inteiro!”.

Tudo isso aqui porque, ao reler agora há pouco, algumas anotações pessoais acadêmicas sobre memória e objetos, me deparei com a seguinte citação de Ted Jedlowski:

Os objetos dão uma certeza que advém de sua materialidade, do fato que quando queremos relembrar eles estão prontos, como passivos recipientes da nossa projeção, das nossas interpretações dos eventos do passado. Se pode, portanto, sublinhar que os objetos são dotados de um poder de memória que lhes rende significados. Esse poder, obviamente, não deriva do objeto enquanto tal, mas do fato que ele incorpora e projeta significados importantes para a pessoas que o adquiriu, recebeu ou encontrou em uma situação ou contexto particular que se quer recordar. É através desses objetos que se cria uma continuidade entre passado e presente, e através deles que se mantém via a lembrança.

Em minha abordagem sociológica dos objetos, lido exatamente com o oposto à perspectiva de Jedlowski: os objetos participam, sim, ativamente da forma como a memória e interpretações dos sujeitos são construídas. Contudo, não estou levantando no momento a ação agencial dos objetos; mas, refletindo sobre o minimalismo, repenso justamente essa importância simbólica dos objetos em nossas vidas (perspectiva que em nenhum momento, diga-se de passagem, descarto em minha análise sociológica dos objetos).

A vida acadêmica me engessou minha escrita – e minha criatividade. Conquanto meus orientadores tenham sido figuras que sempre estimularam minha mente e deram liberdade suficiente para que eu pudesse 'viajar' nas especulações, conjecturas e tudo mais, por fim, há um modelo ao qual você precisa corresponder. A comunidade, seus pares, tendem a certa pasteurização semântica e, principalmente, estilística; e se, mais que a mensagem que você traga, sua forma literária não encontre naquelas uma correspondência substancial, você será chamado à revisão, à reescrita, à reformulação – quando não rechaçado.

Ora, ao longo dos anos e anos de leitura, nesta mesma vida acadêmica, entramos em contato com autores altamente prolixos e herméticos (não raro redundantes, contraditórios, solipsistas etc.) e que ocupam lugar cativo no panteão intelectual da Modernidade. A esta altura, que duas coisas fiquem claras: primeiramente, é possível, sim, que a produção de um mestrando e doutorando não traga nada mais além de uma estilo expositivo e argumentativo peculiar, dando razões para qualquer atitude de desconfiança e desprezo dos seus pares. Aliás, que isto aconteça é bastante provável.

Em segundo lugar, acadêmicos prolixos e herméticos podem, sim, trazer algo de bastante substancial e valioso em sua área de conhecimento. E o mais comum é que assim o seja, afinal, o escrutínio é largo e pesado.

Bom, voltemos ao meu engessamento.

Passei quatro anos na graduação, dois no mestrado e cinco no doutorado. Ao longo de todos esses anos, me encantei com muitos estilos de escrita e ao escrever, acredito que tenha procurado (não é isso que a gente faz?) incorporar um pouco de cada em meu estilo. O que colhi daqueles que liam – professores e colegas – meus textos foram muitos elogios. 'Poxa, você escreve muito bem!'. E eu acreditei.

Hoje, o que posso dizer é que: o modo como aprendi a escrever e a apresentar meus argumentos – que, no final das contas – teria que atender a uma fórmula metodológica dificulta enormemente a expressão das minhas reflexões. Olho para trás e vejo todos aqueles elogios com imensa desconfiança. Afinal, escrever muito bem me parece agora replicar muito bem um modelo... E, daí, já não tenho tanta segurança para escrever assim.

Essa insegurança, acredito, tem me impedido de escrever há uns dez anos. Inúmeras circunstâncias não-acadêmicas, claro, concorreram para esta paralisia. Mas, lá no fundo, não tenho dúvidas. Foi a vida acadêmica que engessou minha escrita.